A Pintura Brasileira
A Pintura Brasileira
1. Antes do Descobrimento
1. Antes do Descobrimento
A ocupação humana do imenso território que hoje
constituem o Brasil era, até começos da década de 1970, tradicionalmente aceita
como não recuando a mais de 10.000 anos. Pode em verdade ter ocorrido em época
muitíssimo anterior, a serem corretas as conclusões a que têm chegado há tempos
recente as arqueólogas Maria da Conceição Beltrão em escavações realizadas na
Bahia em 1987. E Niede Guidon dois anos mais tarde, em pesquisas de campo
levadas a efeito no Piauí. Essa última pesquisadora após ter estudado o sítio
arqueológico piauiense de São Raimundo Nonato, sustentou ter sido o mesmo frequentado
por homens pré-históricos desde há 50.000 anos, no mínimo.Mas essa sua assertiva está longe de ser pacificamente
aceita por muito estudioso norte e sul-americanos do passado das Américas.
Entre todos os capítulos da Arqueologia Brasileira ainda
tão pouco conhecida, um dos mais importantes e relativamente mais estudados é
sem dúvida o da chamada arte rupestre. Ela já vinha espicaçando a curiosidade
de bom número de amadores, mas de poucos profissionais nacionais e, sobretudo
estrangeiros. Isso pelo menos desde começos do Séc. XIX, embora a ela já se
refiram autores quinhentistas ou seiscentistas como Ambrósio Fernandes Brandão
e Barleus. O estudo científico só tomaria impulso neste campo, na segunda
metade do nosso próprio século, depois que, em 1950, Paulo Duarte fez vir ao
Brasil a célebre especialista francesa Annette Laming Emperaire.
Principalmente da década de 1980 e após o fim do regime
militar, diversas missões científicas francesas têm atuado em São Paulo, Mato
Grosso, Minas Gerais e no Nordeste, dirigidas por pesquisadores como Anne Marie
Pessis (1984, Piauí), Niede Guidon (1989, Piauí), Gabriela Martin (1989,
Nordeste), Denis e Agueda Vilhena Vialou (1992, São Paulo e Mato Grosso) e
André Prous (1992, Minas Gerais). Após vencidas não poucas dificuldades
realizaram significativo levantamento de incisões e pinturas pré-históricas,
descobertas em diferentes recantos do nosso país, assim contribuindo para o
estabelecimento futuro de um corpus da pintura pré-histórica brasileira.
Ressalte-se que a maior preocupação dos arqueólogos que têm estudado nossa arte
rupestre diz respeito às pinturas, muito mais que aos petroglifos.
Regra geral, só uma cor era empregada na elaboração de
cada pintura rupestre. Utilizavam-se pigmentos minerais como o óxido de ferro
para o vermelho, que era as cores mais difundidas ou vegetais (urucum,
genipapo, carvão), por vezes mescladas a resinas vegetais. Há coexistência, por
vezes numa única pintura, de formas geométricas, abstratas. Outras vezes, de
formas figurativas de homens e de animais, o que poderia segundo alguns
estudiosos corresponder à antiquíssima divisão entre trabalho feminino e trabalho
masculino. Às mulheres se atribuiu desde sempre a função de produzir cestas,
têxteis e cerâmicas, atividades nas quais a forma e principalmente a decoração
são obtidas pelo emprego de padrões estilizados repetitivos. Elas podem ter
sido as responsáveis por esses pontos e círculos, losangos, cruzes e lancetas
que ocorrem em tantas pinturas rupestres brasileiras. Já os homens, caçadores
por índole, e por isso mesmo obrigado a conhecer com precisão a aparência de
cada animal, terão sido os autores das formas orgânicas e das representações
naturalistas.
Com exceção do litoral, pode-se dizer que todas as
regiões do território brasileiro ainda hoje conservam numerosos exemplos de
arte rupestre, a despeito das depredações ocorridas nas últimas décadas,
motivadas geralmente por interesses econômicos. Existem no entanto regiões que
hoje nos apresentam acervos rupestres mais ricos. Isso talvez apenas signifique
que nessas regiões as pesquisas começaram há mais tempo e com melhores
recursos. Assim, entre os principais sítios arqueológicos brasileiros
possuidores de importante acervo de pinturas rupestres devem ser citados São
Raimundo Nonato e Sete Cidades, no Piauí; o Vale do Seridó, no Rio Grande do
Norte; a Pedra do Ingá, não longe de Campina Grande, na Paraíba; a Pedra
Furada, no Município de Venturosa, em Pernambuco; numerosíssimas cavernas
distribuídas pelos municípios de Lençois, Morro do Chapeu, Montalvânia e
outros, na Bahia; Serranópolis e Caiapônia, em Goiás; Lagoa Santa e Januária,
em Minas Gerais e Canhemborá e Pedra Grande, no Rio Grande do Sul.
Piauí. São Raimundo Nonato, com suas numerosas tocas
ocupadas por homens pré-históricos entre pelo menos 17.000 e 5.000 anos atrás -
Toca do Paraguaio, do Boqueirão da Pedra Furada, do Baixão das Europas, da Chapada
da Cruz etc, foi o foco de irradiação do que os especialistas chamam de
"Tradição Nordeste", caracterizada por abundantes cenas de caça a
tatus, veados e onças, estas flechadas à distância, com ajuda de um propulsor.
Tudo aplicado com auxílio de pinceis vegetais ou com os dedos. Predomina o
vermelho, ocorrendo em menor proporção o amarelo, o preto, o branco e o cinza.
As manifestações mais antigas são também as mais remotas até hoje encontradas
no Brasil: 17.000 anos, conforme o método do carbono 14. Na Toca do Baixão das
Europas I pode-se ver curiosa representação de três figuras humanas de
estaturas diversificadas em canhestra perspectiva, pintadas há cerca de 7.000
anos. Já na arte rupestre de Sete Cidades, cuja idade foi estimada por equipes
da Universidade Federal do Piauí entre 6.000 e 4.000 anos, predomina o estilo
geométrico, apresentando-se as raras figuras humanas e de animais muito
estilizadas e com um mínimo detalhamento anatômico. Aqui, exclusivamente o
vermelho é empregado.
Rio Grande do Norte. Ao longo do Vale do Seridó
espraiou-se o chamado "Estilo Seridó", especialmente notável pela
impressão de movimento e pela tendência à expressão, visíveis em sua arte
rupestre. Pintadas em branco, amarelo alaranjado e vermelho, as figurinhas (de
15 cm e menos) que povoam as pinturas raramente ocorrem isoladas. São
geralmente em grupos - caçando, copulando, dançando. A dança está sempre
associada a árvores ou a galhos e ramos. Assim, no sítio Xique-XiqueI de
Carnaúba dos Dantas, o artista pré-histórico representou com nitidez duas
figuras que dançam em torno de uma árvore.
Paraíba. Em
sítios pré-históricos como o da Pedra do Ingá - um paredão de 24 metros de
extensão por três de altura coberto de petroglifos realçados a vermelho,
amarelo, preto e branco - predominam as formas geométricas e padrões simples
como pontos, círculos, cruzes e lancetas. Muito raras as formas de animais;
mais raras ainda as de seres humanos, umas e outras tratadas num estilo linear
abstratizante.
Pernambuco.
Dois sítios se destacam: Pedra das Figuras, com representações estilizadas de
répteis e emas em vermelho. E Pedra Furada, onde ocorrem figuras humanas e de
animais, estilizadas quase até à abstração.
Bahia.
Animais, principalmente aves, também muito estilizados, constituem a principal
temática da arte rupestre bahiana, em municípios como Lençois e Montalvânia.
Goiás. Nessa
região calcula-se que se tenham sucedido 500 gerações humanas. Destacam-se os
sítios arqueológicos de Serranópolis e Caiapônia. As pinturas são abundantes,
ocupando por vezes extensões que chegam a 80 metros. Em Serranópolis
encontram-se pinturas a vermelho, amarelo, preto e branco de seres humanos e
animais estáticos, antigas de até 11.000 anos e muitas vezes executadas umas
sobre as outras. Aqui alternam-se figuras geométricas, como elipses, círculos,
triângulos. Da mesma época podem ser as pinturas rupestres encontradas em
Caiapônia - figuras humanas dançando, executando acrobacias, fêmeas com
crianças etc., feitas invariavelmente a vermelho ou preto. Motivo comumente
encontrado em toda a região sudoeste do Estado é o da ave de asas distendidas,
em atitude de alçar vôo.
Minas
Gerais. Desde Lagoa Santa, onde já foram estudados mais de 200 sítios com
pinturas antigas de até 12.000 anos, descendo em direção sul até ao Paraná,
predomina a chamada "Tradição Planalto": são pinturas animalistas
executadas monocromaticamente e se alternando com raras figurações humanas e a
padrões geométricos. Na arte rupestre, comumente ocorre que as pinturas mais recentes
simplesmente encobrem ou recobrem as mais antigas a ponto de não raro torná-las
indecifráveis. Aqui, ao contrário, certas pinturas dão mostras de terem sido
várias vezes "restauradas", de tempos em tempos, por sucessivas
gerações. Em Santana do Riacho existe um paredão de 100 metros de extensão
recoberto de figuras de peixes e veados, representados sempre juntos.
Frequentemente ocorre a estranha figura híbrida de um corpo e cabeça de veado
dotada de pernas em forma de peixe. A "Tradição Planalto" é predominantemente
figurativa. Já a "Tradição São Francisco" que se desenvolve ao longo
do grande rio, é ao contrário dominada pelo geometrismo, com mínima incidência
de formas animais. Na Lapa dos Desenhos em Jantaria, descobriu-se uma singular
representação de uma plantação de milho, com palmeiras e uns poucos animais.
Rio Grande
do Sul. Apresentando ainda vestígios da monocromia original, quase sempre em
preto mas também em verde, branco, castanho e roxo, as incisões de Canhemborá
prendem-se à chamada "Tradição Humaitá" (cerca de 3.000 anos atrás).
Representam pegadas de aves e mamíferos, além de símbolos sexuais. Já na Pedra
Grande em São Pedro do Sul, as incisões foram produzidas desde há cerca de
2.800 anos, sucessivamente por grupos humanos originários de Canhemborá, por
indígenas da Tradição Umbu e já bem mais recentemente por Tupiguarani.
DECORAÇÃO
CERÂMICA. Além dos abundantes testemunhos propiciados pela arte rupestre, a
pintura pré-histórica brasileira também pode ser estudada pela observação da
decoração de objetos cerâmicos, como urnas mortuárias antropomórficas e vários
tipos de vasos, tangas cerimoniais etc., destacando-se ao Norte os estilos
Marajó e Santarém, o primeiro mostrando ornamentação de frisos estilizados em
meandros, padrões geométricos repetitivos, sinuosidades, curvas e contracurvas,
executada em vermelho e branco. O segundo mais "barroco" e
figurativo, com ornamentação abundante e não raro excessiva de aves, animais e
seres humanos policromados. Mais recentes já contemporâneas da chegada dos primeiros
europeus, são as cerâmicas Maracá, Aruã e Tupiguarani, também exibindo realces
a cor. Na Tupiguarani existem só no interior, permanecendo as paredes externas
de vasos e recipientes na cor natural da argila.
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